A Comissão Especial de Bioética e Biodireito do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifesta a sua preocupação com a propagação do novo coronavírus (COVID-19) e acompanhará as medidas de prevenção, monitoramento e controle diante do surto causado pelo referido vírus, visando à adoção de resposta oportuna, eficiente e eficaz a ser implementada pelo Estado brasileiro a fim de garantir o direito à saúde de todos os brasileiros – infectados, quarentenados ou não.
A Comissão Especial de Bioética e Biodireito está monitorando os planos e ações divulgadas pelas agências especializadas e confrontando as informações nacionais e internacionais atualmente disponíveis, já que se trata de um microrganismo novo no mundo com poucas informações. A ANVISA está se manifestando a partir das instruções e diretrizes emitidas pela OMS à medida que a referida Organização consolida as informações recebidas dos países e das novas evidências técnicas e cientificas que vem sendo divulgadas.
Desta forma, como não há vacina, duas preocupações são imediatas: o sistema de saúde brasileiro e a sua capacidade de diagnosticar com celeridade infecções suspeitas; e as ações profiláticas, de prevenção e controle dos serviços de saúde.
Como o foco inicial está na China, a Comissão Especial de Bioética e Biodireito protocolou o pedido de informações ao Embaixador do Brasil na China, Paulo Estivallet de Mesquita, em 30 de janeiro de 2020, para solicitar informações relativas ao coronavírus na China e indagar-lhe a respeito da assistência dada aos brasileiros que estão em confinamento médico ou não.
A Comissão Especial de Bioética e Biodireito, com a intenção de cooperar, colocou- se à disposição para auxiliar a Embaixada do Brasil, bem como os demais cidadãos brasileiros que se encontram na China e toda a população brasileira que está em estado de atenção.
A atuação coordenada é essencial para que ocorra a integração com as diversas organizações governamentais e não governamentais na resposta ao estado de emergência na saúde pública em questão que caracteriza a um risco à segurança do Estado brasileiro.
Para isso, a Comissão Especial de Bioética e Biodireito pretende qualificar o debate com especialistas de modo que possam esclarecer os riscos que o novo coronavírus representa para o país, bem como criar um espaço de constante diálogo e informação. Em tempos de fake news, que tanto tem assolado a democracia contemporânea, não se pode arriscar que tumultos sociais ocorram por conta de desinformação ou contrainformação. Do mesmo modo, tampouco é tolerável a falta de transparência por parte de cientistas, profissionais de saúde e órgãos públicos. Com isso, a Comissão Especial de Bioética e Biodireito propõe-se a verificar reiteradamente as informações e notícias para compor checagem factual e consolidar o debate público e a conscientização da população.
A adoção de tais procedimentos tem por objetivo fortalecer uma estratégia integrada cuja finalidade é acompanhar as ações governamentais, principalmente porque temos observado que há poucas informações clínicas e elevado número de disseminação de notícias falas o que pode vir a provocar impactos negativos na sociedade.
Para melhor respaldar as autoridades quanto ao princípio da legalidade para as medidas de urgência preventivas e reativas, foi publicada a Lei 13.979, de 06 de fevereiro de 2020.
Alguns aspectos da Lei chamaram a atenção, tal como o fato dela dizer respeito exclusivamente às medidas tomadas pela circunstância do coronavírus, quando seria uma excelente ocasião para preencher lacuna normativa relevante no ordenamento jurídico, instrumentalizando o Poder Público para lidar com as questões sanitárias urgentes.
Também observamos que a Lei prevê em seu Art. 3.º, III, alguns procedimentos compulsórios que necessitam de melhor detalhamento acerca de seus limites. Por exemplo, na alínea e, prevê-se a compulsoriedade de “tratamentos médicos específicos”, algo que não pode ignorar a discussão há tempos pendente no STF, por meio da ADPF 618, sobre a possibilidade de recusar tratamentos por convicção pessoal, mesmo que isso implique na morte de quem recusa o tratamento. Se o fundamento jurídico à recusa for constitucional, o dispositivo projetado pelo art. 3.º, III, necessita de maior esclarecimento para justificar a restrição de um direito, que pode vir a ser reconhecido definitivamente como constitucional.
Embora a Lei estabeleça que toda medida deverá ser fundamentada em evidências científicas e que deverão ser limitadas, no tempo e no espaço, ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública, nos termos do art. 3.º, § 1.º. Além de estabelecer a gratuidade de qualquer procedimento, a Lei nada menciona sobre o exercício de outros direitos e garantias fundamentais por parte do inspecionado, quarentenado, paciente ou cidadão que venha a sofrer qualquer intervenção, tal como é o caso do exercício da liberdade de expressão, de imprensa, religiosa etc. A autorização do confinamento não pressupõe a restrição de outros direitos fundamentais. A restrição deverá ser a opção menos restritiva para proteger a saúde pública e os indivíduos devem ter acesso a todas as suas necessidades básicas. Além disso, o quarentenado ou isolado deve ter acesso ao sistema de justiça para contestar a ordem judicialmente. O direito fundamental ao devido processo legal impera no estado de emergência de saúde pública.
A lei também não menciona as limitações do poder de polícia do Estado. O que nos leva a cogitar algumas hipóteses tais como: há a necessidade de um mandado judicial para a separação de pessoas suspeitas de contaminação que não estejam doentes? E se a pessoa não consentir, o instrumento adequado para confinar é um mandado judicial? Qual a responsabilização do Estado no caso de aplicação inadequada da quarentena ou isolamento e do tratamento médico negligente?
Conquanto os ambientes do Poder Judiciário sejam espaços abertos ao público, são potenciais locais para contaminação e disseminação de doenças infectocontagiosas respiratórias. Assim, é necessário que toda a estrutura do Poder Judiciário previna-se por meio de um plano de gerenciamento de crise que, além de prever medidas sanitárias de prevenção, que serão melhor recomendadas pelos órgãos de vigilância sanitária, além de meios de seguir prestando a atividade jurisdicional de modo que concentre a menor quantidade possível de pessoas em sua infraestrutura. Tal plano necessita não apenas ser público, mas precisa de treinamentos e coordenação conjunta a outros órgãos que garantam a melhor segurança de todos aqueles que transitam pelos átrios do Poder Judiciários, além da melhor prestação jurisdicional em momentos de crise epidêmica.