Brasília – Na sequência da série “Grandes Temas”, onde o Conselho Federal da OAB traz uma retrospectiva dos debates realizados durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira – realizada em novembro de 2017, em São Paulo – é hora de relembrar o décimo terceiro painel do maior evento jurídico do mundo. Leia abaixo:
A qualidade do ensino jurídico, propostas curriculares e metodológicas, a ética e o exame da Ordem foram temas discutidos no Painel 13 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, realizado na manhã desta terça-feira (28) em São Paulo. Com o tema “Ensino Jurídico, Ética e Exame de Ordem: Defesa da Sociedade”, o painel foi presidido por Marisvaldo Cortez Amado – acompanhado pelo relator Sérgio Leal Martinez e pela secretário Nelson Ribeiro de Magalhães e Souza – e contou com a presença de especialistas que colaboraram com visões e experiências sobre o exercício profissional da classe.
As atividades foram iniciadas com a palestra “Em Defesa do Exame de Ordem”, proferida por Rogério Magnus Varela Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Exame de Ordem, que afiançou que um tema indissociável ao exame é a qualidade do ensino jurídico. “O Exame de Ordem, nos dias atuais, se mostra cada vez mais importante e necessário porque estamos com mais de 1.500 cursos de Direito no Brasil. Em um universo como esse, temos excelentes cursos de Direito – uma minoria, infelizmente – e uma esmagadora maioria que não se preocupa com o aluno, mas com números e finanças. É esse contexto que fortalece o Exame da Ordem: evitar que pessoas pouco preparadas entrem no mercado de trabalho e causem prejuízos para a sociedade”, explicou.
Nos últimos dois anos, aponta Gonçalves, uma liminar judicial estabeleceu que universitários dos últimos períodos possam realizar o Exame de Ordem. “É importante que se diga que não é desejo da OAB que pessoas ainda no banco universitário façam o Exame porque, depois, desinteressam-se e desconectam-se do ensino jurídico”, explicou. Segundo ele, no atual contexto do país, surgem “vozes” que objetivam acabar com o Exame de Ordem.
“O Exame da Ordem desperta paixões e ódios, sobretudo para aqueles que ainda não passaram. Porém, sempre recomendamos para os examinadores e elaboradores o seguinte: não desejamos fazer uma prova de excelência, onde passam poucos, mas de suficiência. Busca-se averiguar se a pessoa está suficientemente apta a entrar no mercado de trabalho, é uma certificação de qualidade técnica mínima. O objetivo do exame, portanto, é proteger a sociedade e também o jovem que se forma”, frisou. Ao final, Varela propôs que o exame se mantenha na forma que hoje é aplicada, a qual foi votada e aprovada.
Ética na advocacia
O advogado Paulo Roberto de Gouvêa Medina, detentor da Medalha Rui Barbosa, abordou os pilares do Novo Código de Ética, afirmando que o Código estabelece regras e princípios de conduta que conferem aos advogados o status que possui. “É de uma classe que se atribui o exercício de uma profissão liberal relevante, uma classe unida por determinados princípios que a distinguem”. O Novo Código de Ética da Advocacia e da OAB entrou em vigor em setembro de 2016.
Segundo Medina, era necessário esse Novo Código, pois a advocacia sofreu modificações nesse período, crescendo de forma significativa e perdendo o “caráter artesanal” que caracterizava o exército até então. “O Código classifica os deveres do advogado, do ponto de vista didático, em quatro categorias: deveres pessoais, deveres profissionais, deveres corporativos e deveres políticos e sociais. E também traz uma inovação: um capítulo dedicado a postura do advogado perante à Ordem”, listou.
Medina também reforçou que um Código de Ética adequado não deve conter somente caráter punitivo. “Deve conter normas jurídicas, sim, mas também normas de caráter pedagógico, que visam a formar a consciência social do advogado. O código inovou ao trazer isso. Há um dispositivo relevante no código, que o advogado deve ter a consciência de que a lei é instrumento para garantir a igualdade de todos e que sua profissão serve para mitigar as desigualdades sociais, além de abordar a atividade pro bono”, afirmou.
Na palestra “Ensino Jurídico e Educação Continuada”, o professor e advogado Jorge Amaury Maia Nunes apontou que o ensino jurídico sofreu profunda transformação. “O Brasil hoje concentra 53% das faculdades de Direito do mundo. Esse crescimento gracioso de faculdades tem custo: não tínhamos professores preparados para mais de mil faculdades. Os cursos de direito nasciam sob a égide da mediocridade. Tinha só uma missão: adestrar para Exame da Ordem e para concursos públicos”, disse ele.
“Não há experiência nem possibilidade profissional. Começam a vender sonhos para outros num deserto de possibilidades de ganhar dinheiro. Começam a tentar criar mercados de advocacias, fazem vendas de produtos jurídicos. A classe começa, então, a se empulhar. Por isso, para os que virão no futuro, precisamos do sistema de educação continuada. É a educação que a gente oferece a qualquer cidadão, independentemente da idade e nível de instrução, para que continue a estudar”, disse Nunes.
O advogado também afirmou que, com a educação continuada, novos saberes serão concebidos. “Não temos que explorar o que passou e foi deteriorado pelo ensino, mas aquilo que está por vir. Nesse mundo digital e de relações interpessoais, aparecerão muitas possibilidades para as relações jurídicas e grande possibilidade da advocacia preventiva para impedir que os conflitos aconteçam”, exemplificou.
Em seguida, a advogada Gisela Gondin Ramos abordou as prerrogativas e a defesa da sociedade, e destacou que a advocacia é uma atividade essencial à Justiça, não devendo ser realizada sem participação do advogado ou de maneira meramente protocolar. “O advogado, embora exerça um interesse privado, o faz perante à Justiça, que é um interesse público. Isso é importante para entender as reais prerrogativas do advogado no Estado Democrático de Direito, que é um equilíbrio entre o poder do Estado e os direitos do cidadão”.
Segundo Ramos, as prerrogativas não são somente direitos, porque não são dos advogados, mas são do cidadão brasileiro. “Não cabe ao advogado decidir se vai usar ou não as prerrogativas para exercer a defesa dos interesses confiados – é necessário fazer isso para o advogado cumprir sua missão. São garantias de efetividade dos direitos fundamentais dos cidadãos e, assim, mais um instrumento pelo qual a advocacia brasileira sai em defesa da sociedade. Prerrogativa são instrumentos práticos colocados à disposição do advogado para lhe assegurar perfeitas condições para a o exercício de sua função”, disse.
O advogado e professor Adilson Gurgel de Castro palestrou sobre ensino jurídico e apresentou algumas sugestões para inovações curriculares e metodológicas para ajudar a formar melhor os bacharéis. “Os Diretos Humanos devem ser disciplina obrigatória nos cursos de Direito. Além disso, é muito importante fomentar o interesse pela literatura, pelo cinema e pelo teatro em nossos alunos”, afirmou.
Castro também lembrou que os professores devem evitar as “mesmices” como, por exemplo, sempre os mesmos modelos de aula, provas currículos, o que chamou de “mcdonaldização dos cursos”. “Devemos trabalhar a interdisciplinaridade. O Direito não é fenômeno isolado. Devemos integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber. A interdisciplinaridade está presente em todo o marco regulatório. Além disso, o aluno deve ser o protagonista do seu aprendizado e o educador deve saber quem é seu aluno, qual a importância da sua disciplina, quais as competências e habilidades a desenvolver, como vincular a disciplina àquelas já estudadas”, sugeriu.
Propostas
Após sua palestra, foram votadas algumas proposições: Direitos Humanos como matriz obrigatória no curso de Direito, utilização de novas técnicas na aprendizagem, incentivo do uso pedagógico por meio de vídeos e conferências, melhor utilização do júri simulado em todas as disciplinas e criação da cadeira de Direito Tributário 2.
Na palestra “Processo Ético-Disciplinar”, o conselheiro federal da OAB Delosmar Domingos de Mendonça Junior analisou que muitos dos processos contra advogados se dão por vaidade. “Tantos males éticos vêm da vaidade e temos que, através da reflexão constante, construir nossa ética. O processo ético-disciplinar deve ser feito, primeiramente, de acordo com a Constituição, pelos valores e normas fundamentais presentes na Constituição”, sugeriu.
Mendonça Junior também questionou sobre a importância pública de divulgar os processos contra advogados. “Precisa de uma reflexão sobre a norma motivacional e da publicidade. Nós temos o processo sigiloso e a sociedade cobra muito da OAB esse ponto. Será que podemos manter ainda esse processo sigiloso? Há um momento contemporâneo de transparência, nossa atividade é privada, mas tem um compromisso com a sociedade. Será que o jurisdicionado, o cidadão, não tem direito de saber se o profissional está respondendo a um processo ético-disciplinar?”, questionou.
Por fim, encerrando as atividades, foi realizada a palestra “Falando o Jovem Advogado” pelo advogado José Edísio Simões Souto, que reforçou o compromisso social da profissão. “Temos que discutir exclusivamente o direito com coragem, não a coragem da peixeira da minha terra paraibana, mas a coragem de defender quem precisa do nosso trabalho. Temos que levantar a voz quando ela se faz necessária. Temos um Estado policialesco que quer tirar as garantias das pessoas. Por exemplo, há juízes, inclusive em Curitiba, que negam os direitos aos advogado e negam as prerrogativas e o direito à cidadania”, asseverou.
Souto também lembrou casos de personalidades brasileiras que tinham como compromisso o direto à ampla defesa. “Temos várias garantias constitucionais, mas, nós, advogados, temos que ter um compromisso maior com uma delas: o direito à ampla defesa. Um exemplo é Sobral Pinto, anticomunista ferrenho, mas defensor de presos políticos, como Carlos Prestes. Ele disse, quando a Justiça negava os direitos de seu cliente: se não podem julgar Luis Carlos Prestes pela lei dos homens, julguem pelas leis dos animais. Outro exemplo foi Dom Helder Câmara que, na companhia de algumas freiras, foi abordado por uma mulher que disse precisar de dinheiro para o enterro da mãe. As freiras o advertiram que a mulher mentia. Ele respondeu: essa mulher é tão excluída que só lhe resta mentir”, relembrou.